“A música é amor e não necessita de ser burocratizada”
O Marco da Garagem é um gajo de acção. Há 30 anos, 22 dos quais oficialmente, como gosta de frisar, começou um projecto para dar visibilidade a bandas de que gostava. Hoje, a coisa continua. Do Porto para o Mundo.
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“A música é amor”, diz-me Marco Martins, mentor da Garagem Records. Quem fala assim demonstra tudo e ele já leva três décadas disto na bagagem. “É até morrer”, garante o homem que quase o comprovou quando a dada altura ficou em coma e o projecto continuou a carburar. O Marco é um marco no panorama musical independente português, um homem do Norte com a força e determinação de mil cavalos em fúria. A editora Garagem não é uma arrecadação, é um cabrão de um sistema solar inteiro.
Um gajo não consegue estar quieto, falta qualquer coisa e as coisas à tua volta estão paradas. Nesses momentos, a grande pergunta é: o que é que vais fazer em relação a isso? Esta é a história de alguém que nunca foi de ficar parado, nem de se ficar a queixar no seu cantinho. Se não há animação, faz-se e monta-se a festa. Se não concordas com o panorama nacional dos media pois achas que se limitam a falar sempre dos mesmos e andam aí montes de outras propostas às quais ninguém liga um chavelho, pois então crias tu o teu próprio “canal de transmissão”, numa altura em que não havia Internet em casa, ou seja, em papel, à antiga e à unha.
Se ouviste falar numa série de bandas e nunca as viste ao vivo, apenas as ouviste por aí numas cassetes espalhadas, ou alguém te falou delas, mas o que curtias mesmo era que houvesse uma compilação com o que de mais original se faz pelo País, vais ficar à espera que alguém o faça, ou fazes tu? O Marco da Garagem – como é conhecido – fez tudo isso e muito mais. Não o vão encontrar com aquele discurso de entrepreneur das alavancagens disto ou daquilo, ou em pose de braços cruzados à empresário. Não. A luta faz-se no terreno. Até pode começar tudo numa garagem, mas depois não te chega e o Mundo não tem limites. É sempre a fundo, foda-se!
Numa altura em que a editora tem uma série de projectos na rua, incluindo o mais recente álbum duplo dos The Dirty Coal Train, falei com ele para que me explicasse como é que é isto de ter uma Garagem aberta há 30 anos.
VICE: És conhecido como o Marco da Garagem por causa da tua editora. A brincar a brincar, estamos a falar de quanto tempo? Quase 25 anos de actividade?
Marco Martins: Falamos de 22 anos oficiais, mas a estrutura Garagem já tem 30 anos, desde que comecei a organizar festas em matinés e noites de sextas-feiras.
Uma editora e também uma revista, como foi isso?
Conhecia muitas bandas de as ver ao vivo, sem discos editados, e nunca gostei de não ver desenvolvimento musical, por isso comecei com uma compilação das bandas de Portugal de que gostava e a revista ou magazine ou lá o que seja aconteceu mais devido ao meu conhecimento e gosto pela divulgação de novidades das fanzines e não tanto pelos jornais que só falam do que já é do conhecimento de quase todos os que ouvem música.
Qual foi a tua primeira edição discográfica e porque é que, na altura, decidiste avançar para tal empreitada? Que é como quem pergunta: como é que surgiu a ideia da Garagem?
A Garagem começou na altura do meu ciclo preparatório. Era uma escola que tinha bandas e onde se faziam montes de coisas musicais, o que me parecia ser bom. A partir daí, a Garagem saiu do armário para se mostrar…(risos).
Nesses anos 90 editaste algumas compilações. Presumo que a logística fosse bastante diferente e mais lenta em termos de comunicação. Como é que se processava?
Era mais lenta, mas com muito amor. E isso levava-me a procurar reuniões com entidades, como o Instituto Português da Juventude e afins. Era realmente uma coisa olhos nos olhos, na busca de apoio logístico. Nesse sentido, a Internet acabou por dar cabo desse lindo processo. Em vez de terem reuniões, agora lêem (ou não) os e-mails e nunca sabemos o que dizem, ou o que pensam. A música é amor, não tem um enorme dicionário de palavras e não necessita de ser burocratizada
Tudo é experiência positiva, seja ela boa ou má. É evolução e aprendizagem. Por isso, é algo que existe e constitui o processo de construção do que somos hoje (risos).
A Garagem esteve sempre em actividade nestas três décadas e 22 nestes 22 anos oficiais, ou houve momentos de pousio?
Nunca teve momentos de pousio. A Garagem fez sempre o que lhe apetecia, tirando na altura em que estive em coma em 2004 e, mesmo assim, havia toda a equipa da altura a fazer o que já tinha programado no escritório. Por isso, a maior acalmia nas actividades foi durante o meu processo de recuperação e reaprendizagem pós coma.
Entretanto, ficaste oficialmente conhecido como um dos, ou mesmo o maior fã dos The Parkinsons. Queres explicar como é que te cruzaste com a banda e o que é que já fizeste por ela?
Primeiro, fui friendly agent dos Tédio Boys e isso foi lindo, pois eles eram a diversão sem fins lucrativos. Quanto aos The Parkinsons, na altura já eram um marco no panorama musical. Fui ter com eles e disse: “Vamos lá fazer um álbum, porque eu quero”. Em seguida lancei um single e depois aquela que para mim é a maior obra deles, o “Rare Sessions”, gravado na BBC. Quanto a ser o maior fã, nunca posso saber se era ou sou o número 1, porque tive tantos “loucos” a quererem o disco…. Eu sou apenas um deles. Estou, isso sim, muito orgulhoso da maravilhosa Caroline Richards ter completado o documentário sobre a banda e de os ver agora com força novamente… Lindo!!!
Também albergaste os Subway Riders… Tens bandas fetiche?
Fetiche tenho: uma orgia musical dos Subway Riders, que tem um maestro genial que é o Carlos Dias. Que mais posso dizer? Na altura que os vi pela primeira vez eram três: Paulo Furtado, Victor Torpedo e Carlos Dias e se algum deles faltava, o Carlos convocava outros, como o Afonso Pinto
Ohoh… a loucura Garagem Punk Blues e afins está toda nos The Dirty Coal Train. São enormes em palco e o impressionante é que o são também em disco. Quanto à questão da “união faz a força”, era bom, mas a força está nos The Dirty Coal Train, eles é que metem o carvão no comboio… o que é que posso dizer… nunca percam um concerto deles, nem nenhum disco!
O processo em si começou, na verdade, quando, em 2012, os convidei para tocarem no Dragão Caixa com os The Parkinsons. Foram magníficos. O Ricardo e a Beatriz transmitiram um poder louco para uma sala que atingiu as cinco mil pessoas. Pedi-lhes logo ali para fazer um disco. Calha que já tinham gravações para sair e surgiu a hipótese de fazer um disco de inéditos com eles (Same Old Lo-fi shit). Sempre os adorei e eles para este novo disco perguntaram-me: “Queres entrar nesta aventura?”. “Lógico que sim”. E o processo foi este. O resultado está aí. Tenho orgulho neles e em mim! (risos).
A questão inevitável dos planos para o futuro. A Garagem vai continuar a andar por aí?
A Garagem Records já tem previstas várias edições para este ano, dos Lobotomia (Brasil), Scúru Fitchádu e Dokuga. A Garagem em eventos e afins continua até eu cair (e me levantar em seguida…). Isto é, até morrer.
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